quinta-feira, 13 de outubro de 2016

1965, o ano de ouro dos Beatles e de Bob Dylan


Que tal um ano em que os Beatles e Bob Dylan lançaram 4 álbuns quesão obras primas das mais brilhantes na história da musica popular, e todos eles lançados dentro de um período que durou 9 meses? Alguma coisa acontecia naquele momento. Mas você não soube dizer o que era... soube, Mr. Jones?

Hoje, mais de meio século depois, dá pra se fazer uma pálida ideia.


Poucos momentos na história da música popular mundial tiveram tanta importância como o ano de 196. Foi a fase em que as grandes estrelas pop influenciaram-se mutuamente, trocando informações e fontes inspiradoras. Bob Dylan influenciou os Beatles, que passaram a utilizar elementos da musica folk em seu Rock'n'roll, além de melhorarem substancialmente suas letras, que passaram a versar sobre temas mais complexos, que iam muito além de romances adolescentes e desilusões amorosas juvenis. Dylan também apresentou a maconha aos garotos de Liverpool, fazendo com que tivessem pensamentos e posturas transcendentes, que culminariam no psicodelismo e nas suas futuras experiências musicais inovadoras.

No entanto, o movimento contrário também aconteceu: Bob deixou de tocar apenas folk music, acrescentando o instrumental elétrico em suas gravações e reproduzindo harmonias mais extensas e ricas, coisa que a dupla Lennon & McCartney já fazia com espantosa habilidade. "Acho os acordes dos Beatles surpreendentes, e as harmonias que constroem são super válidas. Para tocar esse som você precisa ter vários músicos. Eu sei que eles estão apontando para a direção certa da música", declarou Mr. Zimmerman na ocasião, dando uma explicação pra uma crítica estupefata com seu novo álbum..

O primeiro resultado concreto desta confluência magnífica está no LP Bringing It All Back Home, lançado por Dylan em março de 65, com um lado folk de voz e violão (para não desagradar ao seu público mais tradicional de então) e outro de rock básico, com guitarras, baixo e bateria. Uma explosão! Aqui estão clássicos como as acústicas "Mr Tambourine Man", "It's All Over Now, Baby Blue" e as elétricas "Subterranean Homesick Blues" (uma precursora do rap, com seu canto falado) e "Maggie's Farm", entre outras. Dylan deixou de lado as sérias canções de protesto e passou a cantar poesias concretas, letras aparentemente sem nexo, mas recheadas de alusões às drogas, ao cinismo, à vida on the road e ao deboche em cima dos padrões do american way of life ("Ei, senhor que toca tamborim, cante uma canção pra mim/ estou sem sono e não tenho pra onde ir, e quando surgir a desconcertada manhã/eu estarei atrás de ti"). Um disco histórico, imperdível e essencial! Daí veio a ideia de seu título, uma espécie de "Manda tudo isso de volta pra casa", ou seja, "deixem-me fazer meu novo som, mandando o que já é velho para onde sempre esteve, nas tradições".

O clima de gravações do LP foi, no mínimo, improvisado. Alguns músicos que tocaram nas sessões - que duraram apenas 3 dias - lembram-se de não saberem direito os acordes das musicas, e que Dylan simplesmente pedia para que não "esquentassem a cabeça" e tocassem de improviso, olhando para os acordes que ele fazia na sua guitarra. Ás vezes, a banda parava de tocar no meio de um take, tudo porque Bob começava a dar gargalhadas dos erros que todos cometiam ou porque eles disparavam a tocar antes que ele completasse a contagem inicial. Enfim, quando lançado, Bringing It All Back Home foi tão malhado quanto elogiado, provocando uma divisão que marcaria a história da carreira de Dylan; uns exigiam que ele voltasse ao folk puro, enquanto outros vibraram com aquelas melodias curtas e marcantes, de letras quase psicodélicas, tocadas em cima de uma base rock. Tudo era possível, era essa a mensagem ("você não precisa de um meteorologista pra saber pra onde o vento sopra", diz a letra de "Subterranean Homesick Blues"). Apenas 5 meses meses depois, em agosto, Bob concretizou a guinada de seu estilo lançando o ainda melhor Highway 61 Revisited, álbum completamente elétrico, e com os clássicos "Like A Rolling Stone" (considerada uma das canções mais marcantes de todos os tempos, segundo pesquisa recente da revista inglesa UNCUT) e "Ballad Of A Thin Man" (com a famosa pergunta "algo está acontecendo aqui, mas você não sabe o que é, sabe, Mr. Jones?").

Em julho, entre as duas obras Dylanescas, os Beatles apareceram com o filme e o álbum HELP!. O filme trazia referências da cultura indiana (que mudaria para sempre a vida de George Harrison). Já o LP representou um grande passo na evolução dos Fabs, mostrando, por exemplo, que eles podiam sim escrever uma canção com toques eruditos: "Yesterday", obra irretocável de Paul McCartney. Mas já havia sinais evidentes da troca de influências com Dylan, principalmente nas canções de Lennon. Em "You've Got To Hide Your Love Away" John reproduz nitidamente o acento folk típico dos temas de Bob, quase lhe imitando o vocal e a levada preguiçosa no violão. Além do mais, a letra fora inspirada em Brian Epstein, um homossexual, com Lennon procurando retratar a difícil situação vivida por alguém com opção sexual diferente em meio a um contexto machista. Em "Ticket To Ride", John escreveu uma letra retratando a partida de uma mulher que decide viajar sem seu companheiro e contra a vontade deste, numa sutil referência à emancipação feminina. Em "It's Only Love" ele se revela um garoto tímido que treme na frente da força de sua amada; e por aí a coisa foi. Musicalmente, HELP! já sinalizava um uso cada vez maior do timbre acústico, com acompanhamento mais intenso de violões e de vocais menos formais e mais improvisados, como na faixa título.

Mas a gota d'água e o fechamento de ouro deste ano seria com Rubber Soul. É o disco mais unplugged dos Beatles, com temas melódicos delicados, percussão eficiente e minuciosa de Ringo Starr, mais os arranjos predominantemente acústicos, como "Michelle", "I'm Looking Through You" e "Norwegian Wood", esta última uma descrição de um affair romântico de Lennon com uma garota independente, que usa o parceiro apenas para fazer sexo, invertendo os papéis, saindo no dia seguinte para seu trabalho sem que ele ao menos soubesse seu nome. É a afirmação da temática do feminismo iniciada em "Ticket To Ride". Em "Nowhere Man", John fala do homem comum que no fundo comanda o mundo, o anônimo cidadão, e que não tem consciência do seu poder dentro da sociedade capitalista. Em "Girl", novamente ele se coloca como um 'pobre tolo' diante de uma mulher sorrateira e sem escrúpulos que está sempre na iminência de traí-lo ('ela é o tipo de garota que te faz sentir-se um tolo, quando os amigos estão ao redor'). Neste álbum, um marco dentro da musica pop e do rock, os Beatles deixam de lado a eletricidade e o ritmo acelerado do rock pra entregarem-se com habilidade aos arranjos acústicos claramente inspirados no folk e em letras mais sérias, num movimento contrário aos de Dylan, revelando assim a imensa e criativa troca de influências que ambos realizaram naquele precioso ano de 1965.

Por Marcelo Sanches

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