Para algumas pessoas pode parecer difícil enxergar relações entre o Nirvana - grande expoente do fenômeno musical da década de 90 intitulado grunge - e os Beatles - a banda mais importante da história do rock. Mas esta relação esteve presente durante toda a trajetória do Nirvana e especialmente por toda a vida de Kurt Donald Cobain, o polêmico vocalista, guitarrista e principal compositor da banda. Cobain expressou em suas músicas e atitudes os sentimentos de toda uma juventude revoltada e angustiada, e por isso é considerado por seus admiradores como o maior ícone e poeta da cultura americana dos últimos tempos.
Os Beatles invadiram a vida de Kurt desde sua infância, vivida em Aberdeen, EUA, por meio de tias e tios que eram grandes fãs dos Fab Four. A gravação que foi provavelmente a primeira de Kurt foi exatamente de um grande sucesso dos Beatles, "Hey Jude". Sua tia Mary sempre lembrará de Kurt como a criança fã de Beatles e Monkees. O menino que ficou altamente impressionado com a "capa do açougueiro", de Yesterday and Today, e que sempre pôde ser encontrado mexendo com imensa curiosidade nos vinis da família.
Empurrado de parente em parente, Kurt foi morar aos 15 anos com seu tio Jim, que apesar de descuidar das necessidades do sobrinho, era um grande colecionador de discos, e, como sempre, os vinis dos Beatles estavam entre os favoritos de Kurt, além de outras grandes bandas como Led Zeppelin e Grateful Dead. Uma das primeiras canções de Cobain, "About a girl" - grande sucesso do Nirvana - foi confundida durante um bom tempo pela platéia dos shows como uma canção dos Beatles. Kurt disse ao amigo Steve Shillinger que, no dia em que compôs a canção, ouviu Meet the Beatles durante três horas, para entrar no clima. Mesmo que fossem considerados passé nos círculos punk, os Beatles foram peça fundamental no crescimento de Cobain como compositor, além de uma constante nas fitas mixadas que enviava como presente a amigos.
Mesmo em artigos sarcásticos que ele escrevia sobre sua própria banda, Kurt não deixava de citar os quatro rapazes de Liverpool como influência pessoal. Disse também, anos mais tarde, que uma de suas primeiras decepções ocorreu quando descobriu, em 1976, que os Beatles haviam se separado seis anos antes. A separação sempre causara um grande sofrimento a Kurt, e foi tema principal de sua canção "Serve the Servants", aonde fala sobre o divórcio de seus pais. Em seus diários, Cobain fazia listas de seus álbuns favoritos, onde Meet the Beatles nunca deixou de constar. Kurt decorou a casa aonde morou com sua primeira namorada firme, Tracy Marander, com pôsteres de rock que ele mesmo alterava, como um enorme cartaz dos Beatles que exibia então um Paul McCartney de óculos e cabelo afro.
A relação entre os Fab Four e o Nirvana não para por aí. Assim como John Lennon, a figura mais divulgada dos Beatles, Kurt Cobain foi também uma figura extremamente polêmica. Ambos foram manipulados pela mídia, mas também souberam manipulá-la. Lennon e Cobain passaram por sérios problemas com drogas, sofreram com o desgaste da fama, foram pressionados pela indústria fonográfica e abusados por jornalistas gananciosos. Ainda assim, permaneciam sinceros a seus ideais, o que os tornava ainda mais polêmicos. Numa época em que os yuppies e artistas sem talento, construídos por puro marketing, imperavam, Kurt Cobain conseguiu passar a mensagem de que algo estava errado, e isso permanecerá eternamente marcado em suas letras, como na canção "Rape me", em que dizia sentir-se psicologicamente estuprado pelas gravadoras e pela mídia, em especial pela rede americana MTV.
Assim como as poderosas redes de comunicação podem alçar um artista ao primeiro plano, podem destruir suas vidas a qualquer minuto, como fez a revista Vanity Fair, ao publicar uma reportagem sobre a vida pessoal e a dependência química que sofriam Kurt e sua controversa esposa, Courtney Love. Esta reportagem fez com que o casal perdesse a guarda de sua filha recém-nascida, Frances Bean Cobain. Ainda assim, Kurt permaneceu fiel à suas críticas à sociedade americana, explícitas em afirmações como "Censura é muito americana" - escrita em seus diários - e "Ei, quem sabe podemos viajar juntos pelos Estados Unidos e queimar bandeiras americanas no palco?" - escrito em 1991, numa carta a Eugene Kelly, dos Vaselines, de quem era grande fã. Lennon também foi crucificado por suas afirmações - os governantes dos Estados Unidos jamais esconderam seus esforços em extraditar o Beatle do país. Mesmo quando não queriam dizer nada sério, ambos eram severamente julgados. "Digo, eu gosto de ser apaixonado e sincero, mas também gosto de me divertir e agir como um idiota", desabafou Cobain em seus diários.
O jovem fã Kurt Cobain só descobriu que os Beatles haviam se separado 6 nos depois!
Assim como John Lennon, porém em menores proporções, Kurt Cobain causou furor na mídia do Reino Unido. Antes de tocar uma versão curta do hit "Smells like teen spirit" no programa de televisão britânico The Word, Kurt agarrou o microfone e proferir a seguinte frase: "Eu só quero que todos nesta sala saibam que Courtney Love, do grupo pop Hole, é a melhor transa do mundo". Milhões de espectadores engasgaram perante aquelas palavras. Desde que Lennon havia dito que os Beatles eram maiores do que Jesus Cristo, o público britânico jamais havia ficado tão indignado em relação a um astro da música. A intenção de Kurt com aquelas palavras, porém, era apenas informar Mary Lou Lord, sua namorada, que seu romance havia terminado e que seu novo amor era Courtney Love. Aliado às vendas fenomenais do álbum Nevermind, que impulsionou o Nirvana pelo mundo, suas afirmações de qualquer tipo estavam constantemente na primeira página dos tablóides.
Os outros integrantes do Nirvana, Krist Novoselic e Dave Grohl - respectivamente baixista e baterista - sempre foram fãs dos Beatles. Dave Grohl sempre teve especial admiração por George Harrison, a quem dedicou a música "Oh, George", presente no primeiro CD de sua banda atual, os Foo Fighters. Ainda no começo da carreira, o Nirvana sentiu-se como se estivesse no filme dos Beatles Os reis do iê-iê-iê (A Hard Day's Night), ao ver um local aonde realizavam uma tarde de autógrafos abarrotado de pessoas sobre as prateleiras de discos. Neste dia, a banda fez um show de 45 minutos, que teve que acabar quando a multidão começou a esmagá-los. A proporção que aquilo havia assumido assustava principalmente Kurt Cobain. Isso fazia parte da ascensão de um mito, assim como aconteceu com os Beatles, em proporções muito maiores, na década de 60.
Assim como houve a ascensão, houve a queda do Nirvana e de Kurt Cobain. Como aconteceu com os Beatles, Kurt teve sérios problemas com drogas. Cobain era vítima de problemas familiares e psicológicos e afundava-se cada vez mais num caminho sem volta, a heroína. Este caminho tornava-se mais tortuoso à medida que a imprensa sensacionalista o divulgava e especulava, prejudicando cada vez mais a imagem e a vida pessoal de Kurt Cobain. Mesmo tentando a desintoxicação por diversas ocasiões, Cobain não conseguiu largar o vício.
Nascido em 20 de fevereiro de 1967, Kurt Donald Cobain morreu aos 27 anos, e com ele morria o Nirvana. Seu corpo foi encontrado por um eletricista em sua casa em Seattle, no dia 8 de abril de 1994. A morte, porém, pode ter ocorrido entre os dias 4 e 5 de abril. O laudo oficial da polícia atesta que Kurt suicidou-se com overdose de heroína um tiro na cabeça, embora muitas evidências tenham embasado teorias de assassinado, muitas bem fundamentadas. Kurt Cobain foi vítima de seu tempo e não só por isso, mas também por seu grande talento como compositor e artista, será eternamente lembrado por sua importância na cultura mundial e na grande influência que representa até hoje para muitos artistas.
Mas de todas as relações entre os Beatles e o Nirvana, nada foi tão direto quanto a canção "Cut Me Some Slack, uma música gravada por Paul McCartney (tocando uma curiosa 'cigar box guitar'), Dave Grohl (bateria e backing vocals), Krist Novoselic (baixo) e Pat Smear (guitarra) - literalmente, um beatle e os 3 "nirvanas" restantes. Foi apresentada num evento chamado 12-12-12 Benefit Concert (dia 12 de dezembro de 2012, lançada no Youtube dois dias depois). Antes e depois, em várias ocasiões, Paul já havia tocado com Grohl tocando bateria e também no frontstage. Mas essa foi considerada pelo próprio Macca como sendo uma "Nirvana reunion" - obviamente com ele próprio no lugar do Kurt. No ano seguinte, exatamente em 19 de junho de 2013, o quarteto (que a essa altura já havia sido apelidada pelos fãs como Beatvana) tocaria novamente a música num show de Paul em Seattle, cidade do Nirvana, a capital do Grunge. No ano seguinte (2014), a música ganharia o Grammy Awards como "Best Rock Song". Essa banda certamente merecia um álbum inteiro, que entraria certamente na lista dos grandes clássicos do Rock. Mas nunca aconteceu... pelo menos AINDA não.
Por Isabela Alzuguir
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