terça-feira, 25 de outubro de 2016

The Beatles - Revolver (1966)


Revolver é o nome certo para um álbum que marca o amadurecimento total dos Beatles, pois se no anterior, eles já estavam experimentando outros timbres e estilos - bem, na verdade, eles já fazem isto desde o primeiro álbum! - aqui eles mergulham de vez, deixando o yeah, yeah, yeah e as antigas influências juvenis um pouco de lado. Estão cada vez mais inspirados em sons profundos produzidos pelos mestres eruditos, pelos blues elétricos da Motown, pelos sons espirituais da Índia, pelo jazz, pelo folk, que misturados produzem sons inusitados em suas mentes, sem deixar o bom rock de lado.

Estavam totalmente decididos que era no estúdio e não nas turnês que estava o futuro de suas carreiras, por isso, embora tenha sido feito em meio às suas últimas turnês, Revolver soa como se eles tivessem feito de propósito, não produzindo nada que pudesse ser cantado em meio à gritaria de adolescentes excitados.

O fato é que não foi de propósito e suas cabeças realmente já estavam visualizando o que estava por vir, e só produzia sons que nunca ninguém antes havia pensado em fazer- ou melhor, dizendo, havia tido a coragem de lançar sem ser taxado de doido. Os arranjos eram complexos e levava meses e meses para ser feito um álbum. E não havia como reproduzir estas canções num palco, com amplificadores e instrumentos bons, mas sem caixas de retornos e mesas de sons, tão comuns hoje em dia. Mas se a tecnologia de palco não era suficiente, George Martin e sua equipe tinham criatividade suficiente para que no estúdio eles encontrassem tudo o que era preciso e o que não encontravam, era inventado.

Este álbum é definitivamente o DIVISOR DE ÁGUAS NA CARREIRA DOS BEATLES: felizmente, estão maduros profissionalmente e cada um tem sua característica individual. George está se firmando como compositor com um estilo próprio, sem precisar recorrer ao estilo Lennon-McCartney de composição, ganha mais espaço, ganhando mais uma faixa, abre o disco e ainda convida amigos indianos para acompanhamento. John compõe letras mais complexas, com arranjos as vezes até relativamente simples, mas completamente inusitados, que não permitem que você fique em cima do muro, ou você gosta ou detesta. Paul mostra de vez sua veia erudita, compondo belas melodias, com arranjos complexos, fazendo uso de orquestrações, inovando, sem, portanto, soar convencional, que também o deixam sem opção ou você gosta ou não gosta (mas até mesmo John gostava). Já Ringo reafirma seu jeito bonachão de ser cantando "Yellow Submarine". Mas infelizmente, por outro lado, sabemos que por causa desses estilos musicais diferentes que afloraram depois que nossos adolescentes que amavam o Rock'n'Roll, o blues e o country & western cresceram é que eles se separaram, mas, esta é outra estória. Vamos nessa agora...

Lado 1
Taxman
Foi gravada pela primeira vez em 20 de abril. Foram feitos onze takes só nos dois primeiros dias de gravação, sendo que um deles pode ser conferido no Anthology II com John e Paul dizendo "Anybody got a little bit of money ?", como era a idéia inicial, sendo que só a partir do 12 (take) esta frase foi trocada por "Mister Wilson" (Harold Wilson, primeiro ministro, eleito pelo partido trabalhista) "Mister Heath" (líder da oposição). Aqui George exercita sua veia política, que era tão aflorida quanto a de John Lennon, criticando os impostos exorbitantes cobrado a eles, uma vez que, ao contrário do que todos pensam, nesta época, seu contrato não era tão bom quanto os dois artistas atuais e só davá-lhes direito de comprar casas, instrumentos e o que necessitassem, sendo que dinheiro mesmo, ia para o cobrador de impostos. George inaugura pela pela primeira vez um disco dos Beatles e diz a lenda que John deu-lhe uma força na composição, porém seu nome não aparece nos créditos. Paul toca a guitarra solo novamente, foi a sexta a ser gravada.

Eleanor Rigby
Oitava a ser gravada, no dia 28 de abril, os vocais principais de Paul e o backing de George foram sobrepostos depois da sessão de cordas somente no take 14. Paul contou certa vez que o nome original desta canção era Daisy Hawkins, mas este lhe parecia um tanto irreal para soar como uma pessoa comum, ele precisava de um nome que soasse mais natural. E segundo suas memórias o nome Eleanor Rigby surgiu do nada, mas como o nada não existe, teologicamente falando, se você for ao cemitério da igreja St. Peter's, Liverpool, você poderá visitar o túmulo de Eleanor Rigby e de seu pai. Ou seja, Paul deve ter ido não poucas vezes a este lugar, pois embora não fosse tão perto de sua casa, era perto de John e do lado do lugar onde eles se conheceram, deve ter visto o túmulo e guardou esta imagem no seu subconsciente, de modo que conscientemente não se lembra de ter visto este nome em algum lugar. Pois o fato de ter existido esta pessoa, e o fato de seu túmulo se encontrar na mesma cidade em que nasceram e perto do lugar onde se conheceram, é evidência mais que suficiente.

Já o Padre Mckenzie foi tirado de uma lista telefônica, pois o original Padre McCartney desagradou a Paul, pois poderiam pensar que era sobre seu pai, e não queria ver o nome da família associado à uma estória de solidão. O quarteto de cordas, formado por 4 violinos, 2 violas e 2 cellos, foi conduzido por George Martin.

I'm Only Sleeping
Foi a sétima a ser gravada no dia 27 de abril, em mono. Uma espécie de autobiografia de John, pois diz a lenda que John não gostava de ter que acordar cedo e quando era obrigado, ficava um tempo na cama, pensando ou olhando o teto. Mas também, depois que acordava era difícil fazê-lo parar. Foram feitos uns 11 takes até se conseguir um clima de sonolência, para o qual foram usadas fitas ao contrário e George tocou todo o solo de trás para frente.

Love You To
George faz uso daquela que iria se tornar sua marca : a música indiana misturada com o Rock'n'Roll e o folk, que influenciaria muitas gerações. A letra mescla romantismo e reflexão, pois ele e John são os primeiros a perceber que as coisas estão mudando e o tempo passando. George toca cítara, e Anil Bhagwat, irmão de Ravi Shankar, seu mestre, toca tabla, entre outros músicos indianos. Era chamada "Granny Smith", um tipo de maçã verde (!) no dia 11 de abril, quando foi a terceira gravada, mantendo este nome muitos dias depois.

Here, There and Everywhere
Balada muito bem-construída por Paul, uma das favoritas do companheiro John. Foi gravada pela primeira vez em 14 de junho, sendo a décima-terceira. George e John fazem as belas harmonias em escalas de ooo, não muito fáceis de serem reproduzidas à perfeição. Aqui todos estão em seus instrumentos de costume.

Yellow Submarine
John e Paul tem duas versões diferentes sobre a composição: John disse que a imaginou logo após ter tomado "o café mágico" na casa do dentista de George, já Paul disse que teve esta idéia, um pouco antes de dormir, em meio as suas sonolências. Seja qual for a verdadeira, ou talvez os dois tenham concebido a mesma idéia ao mesmo tempo, o que importa é esta canção nos leva de volta aos nossos dias de infância (pelo menos à infância da época de John, Paul, George e Ringo, com direito a bandinha daquelas dos parques) razão pela qual, decidiram dar o vocal a Ringo, uma vez que ele era o favorito das crianças. Foi gravada pela primeira vez em 26 de maio, sendo a décima-primeira a ser gravada. No coro encontramos os roadies Mal Evans e Neil Aspinall, o produtor Martin, o Stone Brian Jones, entre outros.

She Said, She Said
Foi gravada pela primeira vez em 21 de junho, sendo a décima. Por muito tempo foi denominada "sem título" até receber este nome. Foi baseada numa "viagem"que John teve com Peter Fonda, conhecido ator de cinema, que participou de diversos filmes, entre eles "Easy Rider", (Sem Destino) ao lado de Denis Hopper, que marcou época. Diz-se que Fonda começou a falar "Cara, eu sei o que é estar morto" e outras coisas esquisitas e como John não perderia uma frase dessas por nada, tratou de colocá-la numa cancão. Décima canção a ser gravada em 26 de maio.

Lado 2
Good Day Sunshine
Seu título original era "A good Day's Sunshine". Paul se inspirou no som negro jazzístico de New Orlens, com direito a George Martin, tocando o piano Honk Tonk. Sua primeira gravação data de 8 de junho. Aqui eles retomam o recurso dos álbuns anteriores : fazendo uso das batidas de palmas para que todo o espaço seja preenchiodo com música. Brincam pela primeira vez com o estéreo, de modo que no final da faixa cada voz sai num canal diferente, soando impossível para um ouvinte de primeira viagem descobrir de onde virá o próximo som. Foi a décima-terceira a ser gravada, inspirada em Jane Asher, depois da primeira noite de amor, que aconteceu mais ou menos por esta época, três anos depois de se conhecerem.

And your Bird Can Sing

Apresenta vocais dobrados de John e Paul, que foram mixados para parecerem apenas um de cada. Diz a lenda que gravar estes segundos vocais deu muito pano para manga, pois geramente eles gravavam um vocal por cima do outro, apenas quando cantavam solo e não aqui que fazem um dueto. Na hora de gravarem o segundo vocal, John desatou numa risada e Paul embora estivesse concentrado, não conseguiu se segurar e começou a rir também. Como nenhum engenheiro conseguiu preservar a primeira gravação, uma vez que era a matriz, ficou decidido que voltariam no dia 26 de abril, seis dias depois, mas, não conseguiram fazer tudo igual ao primeiro dia, soando um tanto diferente. George também tocou o solo uma vez e o "retocou" igualzinho e os mixou de uma forma que soassem como um só.

For No One
Foi gravada a primeira vez em 12 de abril, sendo a nona, recebendo dez takes neste dia, mas os vocais e o French Horn só foram sobrepostos nos dias 16 e 19. Paul se exercita no estilo o caracterizaria : o de criador de belas melodias, que o tornaria o favorito de vários maestros, pela sua veia e refinamento eruditos, nesta canção que parece ter sido feita para Jane Asher, depois de uma briga. Paul toca piano, cravo e French Horn (instrumento de sopro), Alan Civil, músico de estúdio, toca trompa. Diz-se que apenas Paul e Ringo estavam presentes.

Dr. Robert
Foi inspirada em Robert Freyman, um médico alemão que trabalhava em Nova York e era conhecido por deixar a cidade "alta", e não no dentista de George, que não se chamava Robert ! John soube dele através dos jornais, mas nunca o conheceu pessoalmente. Além dos instrumentos habituais, George toca maracas, John harmonium e maracas e Paul piano. Foi gravada em 17 de abril, sendo a quarta.

I Want to tell you
Foi gravada pela primeira em 2 de junho, sob o título de "Laxton's Suberb", também um tipo de maçã. e logo mudou para "I don't Know', pois nem mesmo George sabia o nome da obra. De novo o tema é romântico, mostrando um pouco de profundidade nas letras. John toca pandeiro, além dos instrumentos normais de cada um. De novo ouve-se a brincadeira com o estéreo.

Got to Get you Into My life
Segunda a ser gravada em 7 de abril. Foi composta por Paul com a tentativa de fazer uma alusão à maconha apresentada em 64, por Bob Dylan- (inspirado talvez pelas letras de John, que muito gostou da música, dizendo na entrevista da Playboy ser uma letra muito boa) do que à Jane Asher. Criando a linha que seria muito utilada no álbum posterior, um naipe de metais foi chamado, composto por Eddie Thornton, Ian Hamer e Les Conlon, nos trumpetes e Peter Coe no sax tenor, afim de reproduzir o clima das gravações de soul da Motown, que Paul faz juz, pois apesar de ser branco e inglês, consegue aflorar sua veia negra, provando a versatilidade dos Beatles mais uma vez. Martin toca órgão, John pandeiro e os outros seus instrumentos originais.

Os Beatles decidiram assumir serem usuários de drogas do que serem hipócritas, negando o fato, afim de parecerem bonzinhos, como muitos artistas de diversos gêneros de música fazem, inclusive no Brasil. Não pretendiam fazer apologia e apenas serem adultos, assumindo sua responsabilidade, assim como os bluesmen assumiam-se usuários de bebida (e morriam muito jovens) na década de 20 e 30, quando havia a Lei Seca. Portanto, embora tivessem proibido a maconha e o LSD a pouco tempo (assim que viram que os jovens as estavam usando e não só os psicólogos) não havia ainda este conceito de auto-destruição adquirido depois das mortes de Janis Joplin, Jim Morrison e Jimi Hendrix (que poderiam ter morrido bebendo ou fumando tabaco... )

Tomorrow Never Knows
Foi a primeira a ser gravada no dia 6 abril, sob o título de Mark I, já ditando o clima experimental que mandaria neste LP. A exemplo daquela sessão do Rubber Soul, que eu disse que era a primeira, esta também, teve direito a não uma mas várias sessões. Depois das declarações sobre drogas pensaram que esta certamente falava sobre este tema, mas John se inspirou "apenas" no Livro dos Mortos Tibetanos, escrito por ninguém mais que o "papa" do LSD: Timothy Leary.

John tinha a idéia de ter um coro que soasse como macacos cantando, no entanto, humanamente, isto parecia impossível. Mesmo assim, Paul trabalhou junto com Martin e Geoff Emerick para tentar desvendar os mistérisos da mente de John, e agradar a ambos, John e Ringo, que também havia dado umas idéias.

John canta através do alto-falante de um Leslie Organ e toca pandeiro, George toca cítara, Paul toca baixo e piano Honk Tonk, Martin piano e Ringo bateria. Foi de longe a faixa mais difícil de ser gravada, até aquele momento: para isso fizeram uso de toda a tecnologia existente nos Estúdios Abbey Road e principalmente, das inventadas pelo próprio como o ADT.

ADT (Artificial Double Tracking) foi uma espécie de recurso inventado pelos funcionários para simular a "dobragem" de um som sobre outro, que consistia em criar a ilusão que uma voz previamente gravada e uma outra gravada pela mesma pessoa , sobreposta alguns segundos depois e não em cima, como em "And Your Bird Can Sing" na sequência (como num canone). Mas, na verdade, havia apenas uma gravação e outra era uma repetição da primeira que entrava num tempo determinado depois, criando um efeito incrível ! Os Beatles, logicamente amaram esta idéia que era original, provavelmente porque com isso teriam mais tempo para gravar outras coisas e ter outras idéias, ao invés de gravarem a mesma voz diversas vezes. Este recurso foi "imitado" várias vezes, por várias bandas nos últimos 36 anos, até mesmo pelos que se julgam "modernos".

Nota: O Álbum saiu em 05 de agosto de 1966 com o nome de Revolver e não Abracadabra, como havia se pensado anteriormente.Depois deste álbum e a conseqüente extinção das turnês, todos julgaram que o grupo jamais conseguiria produzir algo tão bom ou melhor, e acabaria retornando ao formato inicial ou acabando, pois, nenhum grupo havia conseguido se manter na crista da onda sem excursionar. Mas os Beatles fariam sua tentativa.

Por Marcelo Scavazza Sanches

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