quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Entrevista com o Paul McCartney em 1987


"VAMOS CONVERSAR"
(Introdução)
Quando cheguei a Icklesham, Paul McCartney tinha acabado mais um dia de ensaios. Os músicos relaxavam no exterior, jogando à bola no magnífico conjunto dos estúdios que incluem um moinho de vento em madeira e uma vivenda de habitação, cuja fotografias inéditas publicamos nestas páginas.

Linda McCartney já tinha abandonado o local num Mini dos anos 60, sozinha, em direcção a casa para preparar o jantar. Antes da minha vez, Paul ainda ia dar uma entrevista ao mais importante canal de televisão de Los Angeles.

Aproveitei o tempo de espera para falar com Hamish Stuart, antigo guitarrista da Average White Band, agora ao serviço do ex-Beatle. Confidenciou-me que, ao contrário do que muita gente pensa, é muito fácil trabalhar com McCartney. "É até bem divertido!".

A meio da conversa, chega um jovem de fato branco, cruz na orelha, alegre e bem disposto. Toda a gente o conhece e com toda a gente fala sempre com ar divertido e brincalhão. É Brian Clark, autor da capa de "Tug Of War" e também de "Flowers In The Dirt". Descobre que sou português e já não me larga. No dia seguinte, partia para Lisboa para passar uns dias de repouso no Estoril, em mansão de ingleses.   Fala-me longamente da Fundação Gulkbenkian onde, segundo é sua opinião, existe o "melhor Museu da Europa". "E olhe que eu conheço todos!". "Sabe uma coisa?", atira-me entusiasmado. "Concretizei o meu sonho de sempre! Na próxima Primavera, vou expor na Gulbenkian". Soube mais tarde, já em Lisboa, que Brian Clark não é um pintor qualquer. Tem obras espalhadas por todo o Mundo, dos Estados Unidos ao Japão, e trabalhos expostos em museus de prestígio, como o de Leninegrado.

Continuo à espera. De repente, a porta do estúdio abre-se. Paul McCartney reconhe-me: "Luís, anda, vamos conversar!". Ofereço-lhe uma garrafa de vinho do Porto e um CD de Carlos Paredes. Depois de contar as cordas da guitarra portuguesa, pergunta-me se é dia de Natal.

A entrevista decorreu num gabinete dos estúdios decorado com fotografias artísticas da autoria de Linda McCartney.   Durante uma hora e meia, Paul falou abertamente e respondeu-me a tudo o que eu queria. Sem a menor relutância, com o maior dos entusiasmos.

Luís Pinheiro de Almeida

A ENTREVISTA
Após a separação dos Beatles no dia 10 de Abril de 1970, Paul McCartney encetou uma carreira a solo que conhece ainda nos tempos de hoje dias de glória. Apesar de ter sido o Beatle com mais e maiores ligações a Portugal, só no dia 09 de Dezembro de 1987 concedeu a sua primeira entrevista a um jornalista português, a propósito do lançamento de uma sua colectânea de êxitos, intitulada "All The Best", expressão que os ingleses utilizam no fim das suas cartas para os amigos.

A entrevista, feita pelo autor, decorreu na Stone House, Rushlake Green (Heathfiled), em East Sussex, na Grã-Bretanha, e teve como principal destinatário o programa da RTP, "ViváMúsica", de Jorge Pego. A conversa com Paul McCartney decorreu no intervalo de uma sessão do ex-Beatle com a imprensa italiana e deveu-se a insistências da EMI portuguesa, dirigida por David Ferreira.

A entrevista, curta, revelou-se extremamente fácil. McCartney possui um raro poder de comunicabilidade, um sentido de humor tipicamente britânico, um invulgar respeito pelos fãs, uma autêntica e permanente atitude de reverência. Na altura tinha 45 anos. "A juventude e as canções estão na cabeça, não no corpo ou nos computadores", justifica.

Nas horas que antecederam a entrevista e enquanto Paul McCartney satisfazia os seus compromissos para com os media italianos, houve oportunidade de alguns pequenos encontros, durante os quais, sem a presença da câmara de televisão, o ex-Beatle se permitia ser mais íntimo, ao ponto de pretender para si um disco flexível de Natal dos Beatles, raro, que lhe apresentei para mo autografar. A capa do disco é mesmo um desenho seu.

"Tu tens isto? Eu não! Tens de mo dar!".

Um jovem jornalista italiano, antes de iniciar a sua entrevista, explicou a Paul McCartney que os Beatles tinham mudado por completo a vida da sua mãe há duas décadas atrás. No final da entrevista, McCartney perguntou o nome da mãe, pediu papel e caneta e escreveu uma mensagem. A entrevista que se segue foi publicada pelo semanário de espectáculo "Sete" no dia 30 de Dezembro de 1987.

Há alguns anos atrás costumava ir a Portugal. É verdade que tem uma casa no Algarve?
Não, não tenho lá casa. Costumava ficar com uns amigos. É um país muito bonito, gosto muito de Portugal.

Lembra-se de uma canção que escreveu para um grupo português chamada "Penina"? Ainda se lembra dela?
Bem, não me lembro exactamente como era a canção. Uma noite saí e voltei tarde. Provavelmente, já estava um bocado bêbado. Entrei no Hotel Penina, um hotel muito grande que ainda estava a ser construído e o grupo que lá estava pediu-me para tocar com eles. Sentei-me à bateria e começámos a cantar "Penina" que eu depois escrevi e lhes dei.

Ainda se consegue lembrar de todas as canções que já escreveu?
Da maior parte delas, não. Não me lembro das letras. Se tivesse de as cantar de novo, teria de as aprender outra vez, porque ainda são bastantes.

Não quer cantar agora uma?
Bem, há uma "cançãozita" que escrevi em 1943 e que é assim: "o sole mio..."

O seu último single, "Once Upon A Long Ago" tem alguma coisa a ver com a canção "When We Was Fab", de George Harrison?
Por ser nostálgico? Sim, Mas George escreveu "When We Was Fab" ao estilo dos Beatles, com um som dos anos 60. A minha soa mais a anos 80.

Por falar em George Harrison, gosta do seu último álbum, "Cloud Nine"?
 Sim, acho que é bom, tem algumas faixas boas. Gosto mais do lado 1.

De que faixas?
De que faixas? Acho que é "Just For Today", uma faixa lenta. Gosto dessa e do single "Got My Mind Set On You".

Que é dos anos 50!
Sim, de James Ray.

Por falar em Beatles, fez agora sete anos que John Lennon foi assassinado. Sente a sua falta, na composição, por exemplo?
Sim, muito. Quando já se escreveu com alguém tão bom como John... John é impossível de substituir. Começámos a escrever ao mesmo tempo, ainda muito novos, tornámo-nos famosos juntos e fizémos carreira ao mesmo tempo. Ele é impossível de substituir, uma pessoa com tanto talento...

Sim, mas agora está a compôr com Elvis Costello...
Bem, não é a mesma coisa, porque John é John, é único. Elvis Costello, com quem tenho escrito ultimamente, é um pouco parecido. Acho que foi influenciado pelo trabalho de John, por isso gosto de escrever com ele. Faz-me lembrar um pouco os tempos em que escrevia com John. Às vezes, até brincamos com isso e eu digo a Elvis para não se "armar" tanto em John...

Está a trabalhar nalgum álbum novo?
Sim, estou a escrever canções novas.

Já acabou alguma?
Já acabei nove com Elvis...

Todas para o próximo álbum?
Nunca se sabe. Se saírem mal, não vão. Só as boas. Nunca se sabe quais é que ficam boas depois de gravadas. Às vezes, quando se compõe uma canção, ela parece boa, mas depois o resultado final não é tão bom como isso. Por isso, logo se verá. Também estou a escrever sozinho e já gravei umas coisas com Trevor Horn.

E Johnny Marr?
Não. Johnny Marr era dos Smiths e saiu. Há tempos, eu estava em Londres a tocar com uns amigos e ele veio também a algumas sessões. Só isso.

Porque não toca também com George Harrison, Eric Clapton, Ringo Starr?
Não sei. Uma pessoa acaba por trabalhar com outros músicos. Eles muitas vezes também têm que fazer. George tem estado ocupado com o seu álbum, mas ainda ontem pensei nisso. Tenho de os convidar para tocar...

Porque não convida George Harrison para o seu novo álbum?
Por ti talvez o faça, Luís.

E Ringo Starr?
Ringo Starr também. Boa ideia.

O que pensa da música de hoje?
Depende de que tipo de música. Gosto de algumas, de outras não. Hoje há muitos discos que soam todos ao mesmo, feitos com computadores. Também não gosto de canções pseudo-soul. Muitas coisas são maçadoras, mas gosto dos U2 e gosto muito de Prince. Prince é muito bom.

Hoje em dia, há muitos grupos influenciados pela música dos anos 60, como Jesus and Mary Chain, Dukes Of Stratosphear...
Sim, eu gosto disso e para mim é bom, porque se os grupos novos tocam música que tenha aver com os anos 60, eu sinto-me mais perto dos meus filhos. Deixa de haver aquele abismo que existia dantes entre pais e filhos. Assim é óptimo, porque se os meus filhos me falam dos anos 60, eu sei do que eles estão a falar.

E os seus filhos gostam da sua música? Das canções dos Beatles e das novas?
 Sim, a maior parte das vezes gostam. Eles são bons miúdos e, por isso, apoiam tudo o que faço. É como se eu fizesse parte de uma equipa de futebol, eles apoiam sempre a minha equipa. São óptimos e interessam-se imenso. Querem sempre saber em que posição os meus discos estão nos top, se subiram ou desceram. São óptimos.

Ainda tem os discos todos dos Beatles?
Não, nunca os coleccionei. Tu tens mais do que eu. Aliás, quero-os de volta, Luís. Quero-os de volta imediatamente.

Nunca! Este ano, "Let It Be" voltou ao primeiro lugar do top. Que sentiu?
Foi óptimo. Hoje em dia, é difícil fazer com que os discos de beneficência resultem. As pessoas começam a ficar um bocado fartas. Querem contribuir, mas já se sentem saturadas, por isso foi bom terem escolhido a minha canção "Let It Be". Foram eles que a escolheram, não fui eu. Vieram ter comigo e perguntaram se podiam utilizar a canção e eu disse que sim, que me sentia muito honrado. O disco foi feito para ajudar as famílias das vítimas do "ferryboat" e eu gosto muito de ajugar.

Quando pensa retirar-se?
Assim que acabe esta entrevista...

Por que assim?"
Chegaste" para mim, Luís. Estou completamente exausto! Vieste de lá tão longe, de Portugal, para arruinar a minha carreira... Como vou poder aparecer na televisão portuguesa depois desta entrevista? Já ninguém quer saber mais de mim.

Quando vai tocar a Portugal? Nunca o fez...
Era bom, não era? Eu gostava...

Eu trato disso...
Tratas? Em tua casa?

Sim, em minha casa...
Com o António e o João Pedro ? (filhos do autor)

Depois de todos estes anos, ainda lhe é fácil compôr?
 Bem, já não é tão fácil, porque, ao princípio, quando tocava um simples acorde na guitarra, ouvia muita música, porque tudo era novo, coisas ainda não conhecidas. Ao fim de alguns anos, a mina esgota-se. Toco um acorde e, como já fiz muitas canções com ele, tenho de procurar novas combinações, o que torna as coisas um pouco mais difíceis. Mas eu continuo a gostar de compôr, apesar de se ter tornado um pouco mais complexo.

Li num jornal que trabalha 30 horas por semana e que ganha mais do que a Rainha e Margaret Thatcher...
Qualquer pessoa ganha mais do que ela...

O que faz a tanto dinheiro?
O que faço ao dinheiro? Ponho-o no banco... Não, faço imensas coisas: obras de beneficência, tenho uma família para sustentar, tenho a minha mulher e, como tu sabes, as mulheres gastam muito dinheiro!

Porque não compra as canções dos Beatles a Michael Jackson?
Não se trata de uma questão de dinheiro. Para as comprar, teria de o fazer em conjunto com Yoko...

Ainda não conseguiu um bom relacionamento com Yoko?
Tenho um bom relacionamento com Yoko, mas não muito íntimo. Falo com ela, damo-nos bem, mas ela vive em Nova Iorque. E não a vejo muito. Gosto dela, ela é simpática, mas o nosso relacionamento não é muito estreito. Afinal, não foi comigo que ela casou.

Conhece os discos de Julian Lennon?
 Sim. Ele é muito bom. Gosto dele. Era muito pequeno quando o conheci...

...escreveu "Hey Jude" para ele...
É verdade. Ele é muito bom, gosto da sua voz...

... é parecida com a de John Lennon...
Sim, às vezes é muito parecida com a de John, mas eu gosto mais quando ele canta no seu próprio estilo. Acho que ele devia desenvolver mais essa faceta, mas se alguém tem o direito de cantar como John é o seu filho.

Já tem título para o seu novo álbum?
Já. Vai chamar-se "A Minha Entrevista Com O Luís". Será um álbum conceptual. "O dia em que eu conheci o Luís".

Qual é para si o pior disco dos Beatles?
Não há. Não há discos piores dos Beatles. Gosto de quase tudo o que fizémos.

Não quer cantar "Love Me Do", por exemplo?
Não, é impossível!

Por quê?
Porque teríamos de assinar um contrato. Teria de negociar contigo...

Isso arranja-se!
Quando fôr a tua casa, canto.

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