sábado, 20 de outubro de 2001

De Ardmore & Beechwood a Michael Jackson


Por que Michael Jackson decide tudo sobre músicas dos Beatles?

Estive a consultar alguns livros sobre o "publishing" das canções dos Beatles e cheguei a algumas conclusões. A versão do texto que se segue não é ainda completamente definitiva, porque me faltam apurar ainda alguns pormenores, porque tudo isto é muito complicado e eu gosto das coisas rigorosas e exactas.

Michael Jackson (Northern Songs) controla os direitos de 263 canções dos Beatles, entre as quais algumas que o grupo, enquanto tal, nunca gravou oficialmente como "Catcall", "Cold Turkey", "Come And Get It", "Cowboy Music", "Dream Scene", "Drilling A Home", "Penina", etc, etc, etc.

Como foi isto possível?

"Love Me Do", "PS I Love You", "Please Please Me" e "Ask Me Why" são as quatro únicas gravadas pelos Beatles que não estão incluídas neste lote de Michael Jackson. Por isso, Paul McCartney fez uma mistura delas, ou de parte delas, com o título "PS Love Me Do", para incluir na edição japonesa de "Flowers In The Dirt". Estas canções pertencem à MPL (Paul McCartney).

Quando os Beatles começaram a gravar oficialmente em 1962, o "publishing" era ainda um negócio pouco conhecido ou, no mínimo, insipiente. Nem os Beatles, nem Brian Epstein, se moviam pelo dinheiro e nada sabiam de "publishing".

Brian Epstein até via os "publishers" como promotores das canções nas rádios, nas televisões ou a arranjar alguém que as cantasse também.

Brian Epstein conheceu George Martin através do "publisher" Sid Coleman que dirigia a empresa de "publising" Ardmore & Beechwood, subsidiária da norte-americana Capitol Records que, por seu turno, era uma subsidiária da britânica EMI Records.

Agradecido a Sid Coleman por lhe ter proporcionado o encontro com George Martin, Brian Epstein ofereceu à Ardmore & Beechwood as duas primeiras canções dos Beatles, "Love Me Do" e "PS I Love You".

Mas desiludido com a falta de promoção de "Love Me Do" (não chegou a primeiro lugar), Brian Epstein deu as duas canções seguintes, "Please Please Me" e "Ask Me Why", a Dick James (antigo cantor que chegou a gravar Beatles), depois de ter analisado outras alternativas, entre as quais Hill & Range, "publishers" de Elvis Presley.

Canções seguintes, do álbum e do terceiro single, foram também para a Dick James Music. Nesta altura, a dupla de compositores era McCartney/Lennon e só depois, por causa da ordem alfabética, é que ficou Lennon/McCartney, independentemente de as canções serem dos dois ou só de um.

Depois do primeiro álbum, numa reunião em Liverpool, os Beatles e Brian Epstein resolveram criar a Northern Songs, a empresa de "publishing" deles próprios, sem saberem muito bem o que isso queria dizer e para que servia.

A Northern Songs foi registada a 22 de Fevereiro de 1963, pertencendo 50 por cento a John, Paul e Brian e os outros 50 por cento a Dick James.

As canções que Dick James já tinha (do primeiro álbum) passaram para a Northern Songs, ficando só com "Please Please Me" e "Ask Me Why", como prova do reconhecimento do seu trabalho.

Em 1986, a PolyGram Music comprou a Dick James Music, por isso possui os direitos destas duas canções.

Dick James ficou presidente da Northern Songs até 10 de Fevereiro de 1973.

Por acordo de 14 de Agosto de 1963, Lennon e McCartney comprometeram-se a entregar à Northern Songs todas as suas canções por um período de três anos. Os lucros destas 56 canções foram pagos à LenMac Enterprises, que pertencia 40 por cento a Lennon, 40 por cento a McCartney e 20 por cento a Brian Epstein.

Por um segundo acordo, em Fevereiro de 1965, a LenMac Enterprises foi substituída pela MacLen Music, detida a 40 por cento por Paul, 40 por cento por John e 20 por cento pela NEMS.

A NEMS era a empresa original de Brian Epstein, detida a 50 por cento por Brian, 40 por cento pelo seu irmão Clive e 2,5 por cento a cada um dos quatro Beatles.

No dia 18 de Fevereiro de 1965, a Northern Songs tornou-se pública com a emissão de 5 milhões de acções na Bolsa. Foi uma novidade (mais uma dos Beatles).

Dick James e o seu parceiro de sempre Emanuel Charles Silver ficaram cada um com 37,5 por cento das acções, John e Paul ficaram, cada um, com 15 por cento e George e Ringo com 0,8 por cento, cada um.

No que é considerada uma decisão financeira desastrosa, a LenMac Enterprises foi vendida à Northern Songs no dia 04 de Abril de 1966. Os dois maiores compositores pop do século depositaram assim os direitos das suas 56 primeiras canções numa empresa cotada na Bolsa.

Quando em 1969 a Northern Songs foi vendida, com ela foi também a LenMac Enterprises. Desde essa altura até aos dias de hoje, Lennon e McCartney não mais viram um tostão de direitos das canções.

No dia 28 de Março de 1969, com os Beatles fora e sem lhes dizer nada, Dick James, "patrão" da Northern Songs, resolveu finalmente vender a sua parte e a de Emanuel Charles Silver na Northern Songs à Associated TeleVision (ATV) de Lew Grade (mais tarde Lord Grade) por três milhões de libras.

Paul e John só souberam da venda das acções quando os jornalistas lhes pediram reacções.

Na altura em que a Northern Songs foi vendida à ATV, os Beatles controlavam apenas 29,7 por cento da empresa. Outros "patrões menores" da empresa eram Pattie Boyd, mulher de George Harrison, Subafilmes (pertencente à Apple Corps) e Triumph Investment Trust, que tinha comprado a NEMS a Clive Epstein e à mãe Queenie Epstein, depois da morte de Brian.

No dia 19 de Setembro de 1969, a ATV comprou as acções de um consórcio liderado por Allen Klein (esse mesmo) e passou a controlar 51 por cento da Northern Songs, derrotando irremediavelmente os Beatles, e em Janeiro de 1970 já controlava 99,3 por cento. Os restantes 0,7 por cento estavam espalhados por 500 fãs dos Beatles em todo o Mundo.

Em Novembro de 1981, Lord Grade, com 75 anos, depois de um desastre financeiro com um filme seu, anunciou que queria vender a ATV Music, que incluia a Northern Songs. Paul McCartney viu ai a oportunidade de reaver as canções dos Beatles, especialmente "Yesterday".

Grade quis 20 milhões de libras e deu uma semana para Paul pensar. Paul ligou a Yoko (John tinha morrido no ano anterior) e propôs o negócio: 10 milhões a cada um e as "baby songs" voltavam à posse de Paul e dos herdeiros de John. Yoko recusou com o argumento de que era muito dinheiro.

Paul desistiu da compra. A ATV (rebaptizada de Associated Communications Corporation) tinha sido entretanto adquirida a Lew Grade pelo australiano Robert Holmes À Court.

Depois de um período de silêncio, Michael Jackson, conforme tinha dito a Paul McCartney, comprou a ATV Music à ACC por 53 milhões de dólares e é, desde então, o seu proprietário, apesar de todas as tentativas, infrutíferas, de McCartney em recuperar as suas "babies".

Em 1995, Michael Jackson alugou a gestão da Northern Songs à EMI na Grã-Bretanha.

No dia 16 de Novembro de 1995, Michael Jackson e a Sony Music anunciaram a constituição de uma nova empresa de "publishing", Sony/ATV Music Publishing, formada pela Sony e pela ATV (que detém a Northern Songs, com as canções dos Beatles).

O anúncio foi feito pelo próprio Michael Jackson e por Michael P. Schulhof, presidente da Sony Corporation Of America, e Thomas D. Mottola, presidente da Sony Music Entertainment.

A nova companhia foi avaliada em 600 milhões de dólares, sendo a terceira maior do Mundo. Michael Jackson recebeu 95 milhões de dólares pela fusão.

A nova Sony/ATV Music Publishing passou a controlar os direitos das canções dos Beatles, Elvis Presley, Bob Dylan, Oasis, Leonard Cohen, Pearl Jam, Stevie Nicks, Sade, Willie Nelson, entre muitos outros.

As canções de Michael Jackson estão de fora, sendo geridas pela Warner Chappell.

A ideia desta "joint venture" surgiu em 1994, quando Michael Jackson pretendeu comprar os direitos de "Heartbreak Hotel", de Elvis Presley, como parte do seu contrato com a Sony para a edição do álbum "History".

"Não vendemos Elvis Presley, mas o que queremos é comprar o catálogo dos Beatles", disse Schulhof. Michael Jackson, por seu turno, fez questão de frisar que não vendeu a ATV, mas que procedeu a uma fusão de companhias, com 50 por cento para cada uma das partes.

Isso mesmo terá dito Michael Jackson a Paul McCartney.

Desde 1998, terminado o período de gestão da EMI, a Sony/ATV Music Publising tem o controlo absoluto da esmagadora maioria das canções dos Beatles.

Luis Pinheiro de Almeida
Fonte principal: "Yesterday & Today", Ray Coleman

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